A questão da violência escolar leva os pesquisadores do assunto a concordarem em afirmar que a violência nas escolas sempre existiu em suas diversas modalidades, desde os pequenos e mais ingênuos atos de incivilidade até os mais perversos atos atentatórios à integridade física e do patrimônio das pessoas, passando pelo hoje tão propalado fenômeno do “bullying”, definido como um comportamento agressivo ou uma ofensa intencional, que ocorre repetidamente e durante muito tempo e em relações interpessoais caracterizadas por um desequilíbrio de poder, havendo, portanto, uma clara intenção de ofensa ao outro, partindo-se do pressuposto de que o agressor tem alguma superioridade em relação à vítima, como idade ou porte físico mais avantajados.
Na atualidade, um dos temas que vem despertando cada vez mais o interesse de profissionais das áreas de educação e saúde em todo o mundo, é sem dúvida, o do “bullying” escolar.
Sem termo equivalente na língua portuguesa, define-se universalmente como “um subconjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, adotado por um ou mais alunos contra outro(s), causando dor, angústia e sofrimento”. Insultos, intimidações, apelidos crueis e constrangedores, gozações que magoam profundamente, acusações injustas, atuação de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos, levando-os à exclusão, além de danos físicos, psíquicos, morais e materiais, são algumas das manifestações do comportamento “bullying”.
O “bullying” é um conceito específico e muito bem definido, uma vez que não se deixa confundir com outras formas de violência. Isso se justifica pelo fato de apresentar características próprias, dentre elas, talvez a mais grave, seja a propriedade de causar “traumas” ao psiquismo de suas vítimas e envolvidos. Possui ainda a propriedade de ser reconhecido em vários outros contextos, além do escolar: nas famílias, nos locais de trabalho (denominado de assédio moral), nos asilos de idosos, nas prisões, nos condomínios residenciais, enfim onde existem relações interpessoais.
Estudiosos do comportamento “bullying” entre escolares identificam e classificam assim os tipos de papeis sociais desempenhados pelos seus protagonistas:
a) Vítima típica: como aquele que serve de bode expiatório para um grupo;
b) Vítima provocadora: como aquele que provoca determinadas reações contra as quais não possui habilidades para lidar;
c) Vítima agressora: como aquele que reproduz os maus-tratos sofridos;
d) Agressor: aquele que vitimiza os mais fracos;
e) Espectador: aquele que presencia os maus-tratos, porém não o sofre diretamente e nem o pratica, mas que se expõe e reage inconscientemente a sua estimulação psicossocial.
Trata-se de um problema mundial, encontrado em todas as escolas, que vem se disseminado largamente nos últimos anos e que só recentemente vem sendo estudado em nosso país. Em todo o mundo, as taxas de prevalência de “bullying”, revelam que entre 5% a 35% dos alunos estão envolvidos no fenômeno. No Brasil, através de pesquisas realizadas, inicialmente no interior do estado de São Paulo, em estabelecimentos de ensino públicos e privados, com um universo de 1761 alunos, comprovou-se que 49% dos alunos estavam envolvidos no fenômeno. Desses, 22% figuravam como “vítimas”; 15% como “agressores” e 12% como “vítimas-agressoras”. (FANTE, 2005)
Segundo especialistas, as causas desse tipo de comportamento abusivo são inúmeras e variadas. Deve-se à carência afetiva, à ausência de limites e ao modo de afirmação de poder e de autoridade dos pais sobre os filhos, por meio de “práticas educativas” que incluem maus-tratos físicos e explosões emocionais violentas. Em seus estudos Fante (2005) constatou que “[...] 80% daqueles classificados como “agressores”, atribuíram como causa principal do seu comportamento, a necessidade de reproduzir contra outros os maus-tratos sofridos em casa ou na escola”. Em decorrência desse dado extremamente relevante, possibilitou identificar a existência de uma doença psicossocial expansiva, desencadeadora de um conjunto de sinais e sintomas, a qual se denominou SMAR - Síndrome de Maus-tratos Repetitivos. (FANTE, 2005)
Segundo a pesquisadora, o portador dessa síndrome possui necessidade de dominar, de subjugar e de impor sua autoridade sobre outrem, mediante coação; necessidade de aceitação e de pertencimento a um grupo; de autoafirmação, de chamar a atenção para si. Possui ainda, a inabilidade de expressar seus sentimentos mais íntimos, de se colocar no lugar do outro e de perceber suas dores e sentimentos.
Esta síndrome apresenta rica sintomatologia: irritabilidade, agressividade, impulsividade, intolerância, tensão, explosões emocionais, raiva reprimida, depressão, stress, sintomas psicossomáticos, alteração do humor, pensamentos suicidas. É oriunda do modelo educativo predominante introjetado pela criança na primeira infância. Sendo repetidamente exposta a estímulos agressivos, aversivos ao seu psiquismo, a criança os introjeta inconscientemente ao seu repertório comportamental e transforma-se posteriormente em uma dinâmica psíquica “mandante” de suas ações e reações. Dessa forma, se tornará predisposta a reproduzir a agressividade sofrida ou a reprimi-la, comprometendo, assim, seu processo de desenvolvimento social.
Segue a pesquisadora relatando sobre as consequências para as “vítimas” desse fenômeno são graves e abrangentes, promovendo no âmbito escolar o desinteresse pela escola, o déficit de concentração e aprendizagem, a queda do rendimento, o absentismo e a evasão escolar. No âmbito da saúde física e emocional, a baixa na resistência imunológica e na autoestima, o stress, os sintomas psicossomáticos, transtornos psicológicos, a depressão e o suicídio.
Para os “agressores”, ocorre o distanciamento e a falta de adaptação aos objetivos escolares, a supervalorização da violência como forma de obtenção de poder, o desenvolvimento de habilidades para futuras condutas delituosas, além da projeção de condutas violentas na vida adulta. Para os “espectadores”, que é a maioria dos alunos, estes podem sentir insegurança, ansiedade, medo e estresse, comprometendo o seu processo socioeducacional.
Este fenômeno comportamental atinge a área mais preciosa, íntima e inviolável do ser, a sua alma. Envolve e vitimiza a criança, na tenra idade escolar, tornando-a refém de ansiedade e de emoções, que interferem negativamente nos seus processos de aprendizagem devido à excessiva mobilização de emoções de medo, de angústia e de raiva reprimida. A forte carga emocional traumática da experiência vivenciada, registrada em seus arquivos de memória, poderá aprisionar sua mente a construções inconscientes de cadeias de pensamentos desorganizados, que interferirão no desenvolvimento da sua autopercepção e autoestima, comprometendo sua capacidade de autossuperação na vida.
Dependendo do grau de sofrimento vivido pela criança, ela poderá sentir-se ancorada a construções inconscientes de pensamentos de vingança e de suicídio, ou manifestar determinados tipos de comportamentos agressivos ou violentos, prejudiciais a si mesma e à sociedade, isto se não houver intervenção diagnóstica, preventiva e psicoterápica, além de esforços interdisciplinares conjugados, por toda a comunidade escolar. Nesse sentido podemos citar as tragédias ocorridas em escolas, como por exemplo, Columbine (E.U.A.); Taiuva (SP); Remanso (BA), Carmen de Patagones (ARG) e Red Lake (E.U.A.).
Esta forma de violência é de difícil identificação por parte dos familiares e da escola, uma vez que a “vítima” teme denunciar os seus agressores, por medo de sofrer represálias e por vergonha de admitir que esteja apanhando ou passando por situações humilhantes na escola ou, ainda, por acreditar que não lhe darão o devido crédito. Sua denúncia ecoaria como uma confissão de fraqueza ou impotência de defesa. Os “agressores” se valem da “lei do silêncio” e do terror que impõem às suas “vítimas”, bem como do receio dos “espectadores”, que temem se transformarem na “próxima vítima”.
Fonte: compilação de artigos científicos
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